Segundo a matriz do pensamento iluminista concebido por Rousseau, quando um indivíduo nasce, este subscreve tacitamente o pacto social, a fim de que possa conviver em um ambiente coletivo pautado por regras éticas, morais e jurídicas, pois, a teor do ensinamento proferido por Hobbes, “o homem é o lobo do próprio homem”.
Todos aqueles que descumprem os standarts básicos de convivência acabam por serem marginalizados e excluídos do seio social.
Com o acentuado desenvolvimento das cidades e a sua crescente verticalização, a concentração demográfica dos ambientes urbanos vem gradativamente escalando, haja vista a necessidade do melhor aproveitamento da função social da propriedade e da utilização sustentável dos espaços a fim de viabilizá-los economicamente aos habitantes/consumidores.
O último Censo Demográfico realizado em 2022 pelo IBGE constatou a existência de aproximadamente 1 milhão de condomínios edilícios, motivo pelo qual é possível afirmar que, pelo menos 30% da população brasileira, residem em condomínios.
Ao optar por residir em um condomínio, o pretendente subscreve um pacto social ainda mais restritivo, porquanto, em face do princípio da hierarquia das normas e da sensibilidade encampada inicialmente pela Lei 4.591/64 e ratificada pelos artigos 1.331 a 1.358 do Código Civil de 2002, a entidade condominial possui liberdade para regular em tudo aquilo que não a conflitar com a legislação hierarquicamente superior.
Neste contexto, considerando que a perspectiva absoluta do direito de propriedade imanente ao liberalismo iluminista que permeou o Código Civil de 1.916, cedeu lugar aos matizes do neoliberalismo introduzido pela Constituição Federal de 1.988, notadamente o artigo 5.º, inciso XXII, para que um indivíduo viva bem e harmonicamente em um ambiente condominial, o mesmo deverá exercitar as virtudes da paciência, da empatia e da tolerância, eis que possuir uma propriedade pressupõe a existência de mais deveres ao revés de direitos, conforme disposto pelo artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil: “São deveres do condômino: [...] dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.”
Neste influxo, a fim de possibilitar o melhor aproveitamento das prerrogativas inerentes ao direito de propriedade insculpidas no artigo 1.228 do Código Civil (usar, gozar, dispor e reivindicar), é fundamental que o organograma administrativo esteja estampado na convenção condominial vigente, assim como as regras de convivência constem com precisão junto ao regulamento interno aprovado, posto que, dada a natureza jurídica normativa de ambos os instrumentos, mesmo aqueles que não participaram de sua formatação deverão se submeter às suas diretrizes.
Compreender o pacto social de convivência é fundamental aos condôminos, eis que, muito embora todo condomínio possua um síndico, na forma do artigo 1.347 do Código Civil, para que o ambiente condominial seja saudável e harmônico, cada ator deverá conhecer as suas funções e assumir as suas responsabilidades, não devendo terceirizá-las, afinal de contas, o condomínio, muito embora possua um CNPJ, não dispõe de personalidade jurídica e em nada se confunde com a estrutura física que compõe a edificação que o representa fisicamente, sendo este, em verdade, a massa imaterial dos anseios e dos comportamentos de cada um dos condôminos que nele residem.
Quando cada um conhece as suas responsabilidades, o ambiente condominial permanece harmônico e passa ao largo do já tão fatigado e moroso judiciário, que, em Santa Catarina, no ano de 2018 já contava com quase 4 milhões de processos judiciais distribuídos em 111 comarcas.
Conhecer a si mesmo, fazer o que lhe compete, entender o que está fora do seu alcance e saber a diferença, é um ótimo começo para tornar o condomínio um lugar melhor para se viver.
Gustavo Camacho é advogado e presidente da ASDESC