Acidentes acontecem quando menos se espera, e muitas vezes causados pelos motivos mais ingênuos que se possa imaginar. Em condomínios a história não é diferente, a simples remoção de uma parede para aumentar a sala ou integrar a cozinha ao restante do apartamento pode trazer consequências muito sérias.
O caso mais emblemático dos últimos anos foi o desabamento do Edifício Liberdade, de 20 andares e de mais dois prédios vizinhos em 2012, no Rio de Janeiro. O acidente foi provocado por reformas irregulares e provocou a morte de 17 pessoas, além de outras cinco desaparecidas. Na justiça, a defesa alega que o edifício já havia passado por alterações estruturais com a construção de mais cinco andares além do projeto original, o que poderia ter causado o colapso dos pilares de sustentação do prédio.
Para evitar outros casos semelhantes, desde o dia 18 de abril entrou em vigor a NBR 16.280 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que trata da gestão de reformas em edificações, estabelecendo requisitos de processos, projetos, execução e segurança de reformas tanto em áreas comuns quanto privadas.
Pela nova regulamentação, todas as reformas de imóvel que alterem ou comprometam a segurança da edificação ou de seu entorno precisarão ser submetidas à análise da construtora, incorporadora ou projetista, dentro do prazo de garantia da construção, normalmente de cinco anos.
Após esse prazo, qualquer intervenção exigirá uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), assinada por engenheiro ou arquiteto que, então, irá assumir toda a responsabilidade legal pela execução da obra ou serviço. A norma vale tanto para áreas comuns quanto privadas das edificações.
Também, orienta os condôminos a informar ao síndico todos os detalhes sobre as intervenções e o plano de manutenção a partir da reforma. E o síndico ou a administradora, por sua vez, poderão autorizar, permitir com ressalvas ou até mesmo proibir a reforma, caso entendam que a obra poderá colocar em risco a edificação.
Fim do amadorismo
Para Carlos Alberto Kita Xavier, engenheiro civil e de segurança do trabalho e presidente Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Santa Catarina (CREA-SC),“um profissional habilitado, com conhecimento técnico, tem condições de analisar, avaliar e propor diretrizes mais eficientes para a realização de uma obra de reforma ou manutenção, além de garantir mais segurança para condôminos e usuários e aos que desempenham a função do síndico”, avalia.
“A reforma de uma edificação é uma atividade multidisciplinar, envolve a parte estrutural, elétrica, hidráulica, entre outras. Muitas vezes observamos que alterações na estrutura das edificações são realizadas por profissionais não habilitados que não possuem o conhecimento técnico necessário para avaliar as consequências. A abertura de portas ou a remoção de paredes pode trazer um alívio de carga sobre determinadas partes da estrutura e causar fissuras e rachaduras”, completa.
Para Paulo Eduardo Fonseca de Campos, superintendente do Comitê Brasileiro da Construção Civil da ABNT, “o regramento complementa as normas técnicas de Manutenção (NBR 5.674), Manual de Uso, Operação e Manutenção (NBR 14.037). A perda de desempenho da edificação com modificações nos sistemas prediais e na estrutura é uma das preocupações contidas na norma, e esquematiza as etapas da obra listando os requisitos para antes, durante e depois de uma reforma em um prédio ou em uma unidade, afastando o amadorismo”.
A NBR 16.280 não se aplica somente a reformas e alterações estruturais. As obras de manutenção nas áreas comuns e privativas também merecem atenção na opinião do presidente do CREA.
“Uma construção não é eterna, precisa ser alterada, e a falta de manutenção, o emprego de materiais inadequados ou equívocos cometidos por profissionais desabilitados também podem trazer problemas às edificações. A instalação indiscriminada de aparelhos de ar condicionado em marquises que não foram projetadas para essa função é capaz de gerar uma vibração na estrutura que pode causar fissuras e infiltrações e comprometer sua integridade estrutural.”
Legislação
O parágrafo quinto do artigo 1.348 do Código Civil Brasileiro determina como uma das funções do síndico “diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores”, sem mencionar responsabilidades administrativas ou legais quanto às áreas privadas dos condomínios.
Para o advogado Luis Augusto Santos, especialista em direito civil, a norma da ABNT, mesmo não tendo o peso de uma lei, pode dar mais garantias ao síndico nessas questões.
“Pela nova norma da ABNT, o morador não vai mais poder realizar as reformas sem comunicar o síndico ou a administradora do condomínio e o profissional que vai realizar as obras também terá de dar mais garantias sobre o serviço que foi feito. Acredito que, juridicamente, a norma vai dar mais embasamento aos gestores na questão de obras nos condomínios. A NBR 16.280 não estabelece regras de fiscalização ou mecanismos punitivos, mas aumenta a responsabilidade do proprietário no caso de um eventual acidente”, analisa.
Prevenção
Em Santa Catarina, a cidade de Balneário Camboriú foi pioneira na criação de uma legislação municipal sobre vistorias em edificações. O engenheiro Paulo Carelli, um dos responsáveis pela criação da Lei de Inspeção em 2008, antes mesmo de qualquer caso mais grave, é enfático quanto à importância do tema.
“Realizamos vistorias prediais desde 1995, e já presenciamos diversas situações muito graves. A fiscalização que é feita em Balneário Camboriú busca sempre colocar a manutenção predial um passo a frente dos acidentes. Pela lei, a prefeitura pode até cassar o habite-se do condomínio, e, em casos mais sérios, até o Ministério Público pode agir”, afirma.
Além de Balneário Camboriú, Rio do Sul também possuiu uma legislação semelhante. Florianópolis, Blumenau e Chapecó também já discutem a matéria que também está na pauta da Assembleia Legislativa catarinense e no Senado Federal.
Confira os serviços que precisarão de autorização de um profissional:
- Reforma do sistema hidrossanitário;
- Reforma ou instalação de equipamentos de prevenção e combate a incêndio;
- Instalações elétricas e de gás;
- Reforma ou instalação de aparelhos de dados e comunicação;
- Reforma ou instalação de aparelhos de automação;
- Reforma ou instalação de ar-condicionado exaustão e ventilação;
- Instalação de qualquer componente à edificação, não previsto no projeto original ou em desacordo com o manual de uso, operação e manutenção do edifício ou memorial descritivo;
- Troca de revestimentos com uso de marteletes ou ferramentas de alto impacto, para retirada do revestimento anterior;
- Qualquer reforma para substituição ou que interfira na integridade ou na proteção mecânica;
- Qualquer reforma de vedação que interfira na integridade ou altere a disposição original;
- Qualquer reforma, para alteração do sistema ou adequação para instalação de esquadrias ou fachada-cortina e seu componentes;
- Qualquer intervenção em elementos da estrutura, como furos e aberturas, alteração de seção de elementos estruturais e remoção ou acréscimo de paredes.
Fonte CREA/MS.