A capital catarinense é uma das primeiras cidades do Brasil a adotar políticas públicas para inserção da arte no espaço urbano. Em 1998 foi criada a Lei Municipal nº 3.255, que incentiva a implantação de pinturas, murais e esculturas nas edificações em troca de um incentivo de 2% nos índices de construção para condomínios acima de mil metros quadrados. Com isso, Florianópolis reúne hoje 220 obras de arte de 38 artistas.
Esse incentivo, no entanto, vale apenas para edificações em fase de construção. As propostas de obras de arte nas edificações passam pela análise e aprovação de uma comissão formada pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf). Nessa fase, a construtora assina um acordo de preservação da obra de arte. No entanto, de acordo com a artista plástica Lu Pires, coordenadora da Comissão Municipal de Arte Pública de Florianópolis (Comap), há uma frequente quebra desse contrato por parte dos condomínios devido ao desconhecimento da Lei. “Muitas pessoas não têm conhecimento da legislação. As construtoras deveriam informar os condôminos do compromisso que eles assumem de manter e cuidar da obra. É importante que eles conheçam o motivo da arte na edificação”, esclarece.
Alecrim
Na construção do Edifício Village Monet, em 2011, no bairro Trindade, foi inserida a obra da artista plástica Nane Eskelsen intitulada “alecrim” (foto ao lado). A obra simboliza um galho de alecrim em homenagem às benzedeiras da ilha, uma tradição regional histórica. Depois de fazer uma pesquisa aprofundada, Nane se inspirou na memória das benzedeiras que viviam no local. “A obra possui um sensor de presença. Quando o morador passa embaixo do alecrim, ele recebe uma leve esborrifada do chá da erva. Embaixo da obra também foram plantados pezinhos de alecrim”, conta. Além disso, a seguinte escritura acompanha a arte: “Com galinho de alecrim eu te benzo...”. Segundo a artista plástica, a lei incentiva a disseminação da arte na cidade. “Atuo há 30 anos como artista. Essa é uma forma de divulgar e comercializar o nosso trabalho”, diz.
A síndica Andreia de Marco conheceu a história da obra de arte “Alecrim” depois de uma visita feita pela artista Nane ao condomínio. A gestora informa, no entanto, que vai ser necessário solicitar a modificação no jato de alecrim. “A iniciativa da artista é criativa, mas agora o motor está inativo, pois os moradores comentaram que o jato estava forte. Vamos conversar com a artista para reduzir a potência do jato ou modificar a posição”, conta. A síndica Andreia sentiu que faltou informação por parte da construtora com relação à lei de incentivo no que tange às responsabilidades dos condôminos com a obra de arte. “Na entrega do prédio a construtora devia explicar mais sobre o assunto, explicar aos proprietários o que a obra de arte representa”, diz.
O gerente de obras de planejamento da Construtora Pinheiro, engenheiro Flávio Schaser, explica que no Edifício Village Monet houve um processo seletivo entre os artistas para escolha da obra de arte. Ao eleger o “alecrim” da artista plástica Nane Eskelsen, a proposta foi encaminhada para Comap. Segundo o engenheiro, executada a obra, a construtora conscientizou os moradores sobre a preservação da escultura. “Incluímos todas as responsabilidades no manual do proprietário entregue aos condôminos. Eles devem cuidar da obra de arte”, diz. De acordo com informações da construtora, cada arte pública montada nas edificações custa, em média, R$ 50 mil. “O público ganha com isso, porque valoriza os profissionais e o patrimônio”, argumenta.
Itacoatiara
O condomínio do Edifício Thomaz Chaves Cabral, no Centro de Florianópolis, tem 13 anos de existência. Na época da construção, o residencial recebeu a obra do artista João Otávio Neves Filho, mais conhecido como Janga, intitulada “Itacoatiara” – linguagem indígena que significa pedra com letreiros. A pintura, segundo Janga, é uma representação de gravuras rupestres descobertas em cavernas de Urubici, município da serra catarinense. “Um casal procurava um apartamento de três quartos para se mudar e o Residencial Thomaz Chaves foi escolhido pelo diferencial da obra de arte”, relata. De acordo com o artista, a lei de incentivo foi uma conquista das artes plásticas. “Conseguimos valorizar o nosso trabalho e humanizamos os espaços das edificações”, comemora.
A porteira Rosângela Venâncio trabalha há 12 anos no condomínio Thomaz Chaves Cabral. Ela presenciou, desde o início, o reconhecimento dos moradores pela arte no edifício. “Na possibilidade de se construir um muro de vidro para cercar o jardim, alguns moradores protestaram em favor da pintura”, conta. Foi o caso da moradora Mercedes Krause, que teve uma participação efetiva na defesa da obra de Janga. “A princípio alguns moradores não tinham consciência e cogitavam construir um muro de vidro em virtude da segurança, mas a pintura artística ficaria escondida. Ela é muito valiosa para ficar em segundo plano. Depois disso, acho que finalmente todos se conscientizaram”, diz.
A Boca
Localizada em frente às duas torres do Condomínio Léa de Castro Ramos, “A Boca” é um mobiliário urbano, um banco escultórico, da artista plástica Giovana Zimerman. A intenção da artista foi promover um ambiente de convivência para os habitantes. A contrapartida para instalação da obra de arte foi o alargamento de 3,4 metros da calçada, logo após as rampas das duas garagens do edifício. Para situar a obra, foi desenvolvido um projeto paisagístico com palmeiras imperiais e diversas outras plantas, ampliando a área verde no centro da cidade. De acordo com Zimermann, o trabalho tem um aspecto transgressor e irônico. Visto a distância, poderia parecer um estofado abandonado na calçada de uma região nobre da cidade. “No último encontro que tive com duas crianças que ocupavam o banco, a garotinha falou que a obra parecia com uma boca, escutei essa mesma impressão de outra criança. Foi assim que escolhi o título da obra”, conta.
O síndico Miraci José dá exemplo de valorização da arte. Decorridos cinco anos, o gestor percebeu a necessidade de revitalizar a obra e levou a reforma para aprovação dos condôminos. “Mandei restaurar, porque ela estava danificada em razão do tempo. É a nossa carta de apresentação do prédio”, declara. De acordo com o síndico, os moradores utilizam e valorizam “A Boca”. “Eles usam o banco para sentar e mantemos a obra sempre limpa”, diz. No entanto, nem todos os síndicos têm a mesma consciência. De acordo com a artista Giovana Zimermann, esse é um dos aspectos a ser melhorado na lei. “A Lei está defasada, não respalda o que se compreende por arte pública na contemporaneidade. A falta de informação sobre a legislação, e mesmo sobre o motivo da obra de arte estar no edifício, é algo que requer uma atenção especial urgente”, enfatiza.