Eu nem tinha saído de casa ainda e o interfone disparou insistente. Era o Sr. Genildo do 704. Ele estava muito chateado e insistiu para que eu fosse até a garagem, pois segundo ele, o vizinho de vaga havia “encostado” em seu carro.
Lá fui eu com a sensação de que não seria um dia fácil.
Realmente, havia um raspão no para-choque do veículo. Me comprometi a verificar o ocorrido e já adiantei que poderia fazer a “ponte” entre os envolvidos, mas que não cabia responsabilidade ao condomínio. Porém ele se lamentou por mais de quarenta minutos sobre a atitude dos vizinhos, que segundo ele não o cumprimentavam direito e de como ele se sentia excluído da vida social do condomínio. Pelo que eu entendi depois de tanta queixa foi que ele estava “carente” e o ocorrido com seu carro foi apenas o estopim para que ele despejasse sua dor, como sempre, em cima da síndica.
Conforme eu previa, o dia seguiu complicado. Antes do almoço a Luzia, faxineira, muito competente por sinal, me chamou para relatar que havia um cocô de cachorro em cima do tapete do hall social da torre 3. Realmente, coisa chata e que nos faz pensar na educação do dono do animal. Mas analisando com um certo distanciamento e com um pouco de boa vontade, era perfeitamente possível que o ocorrido tenha passado despercebido pela dona do pet. Porém, Luzia que sempre se mostrou tão solícita, estava inconformada:
“Veja Dona Maria, até isso a gente tem que limpar e é capaz de dizerem que não faço meu serviço direito”. Eu fiz de tudo para não aumentar o drama, afinal era só um cocô. Com aquela reação exacerbada não pude deixar de pensar que ela implorava por atenção, mesmo que inconscientemente.
Apareceu mais uma reclamação logo depois do almoço. Dona Joice do 201 torre 1 me interfonou no começo da tarde para relatar que até aquele horário o hall do seu andar ainda estava sujo. Pelo drama parecia o fim do mundo, como se alguém tivesse feito um carnaval no hall. Segundo constatei, era só um pingo de algum saco de lixo que “vazou”, mais uma vez uma desatenção que só nos faz lamentar. Um pano e tudo resolvido. Mas pra dona Joice não era assim tão simples. Ela ficou quase uma hora falando como, na sua opinião, as pessoas estão tão relapsas e não se importam mais com seus semelhantes.
No andar da conversa fiquei sabendo que toda sua família havia dado uma festa e ela não fora convidada, além disso, o marido havia pedido o divórcio e a filha jurou que não iria tomar partido. Ouvi tentando dar atenção, mas meu olhar era atraído pelo relógio o tempo todo, afinal eu também tinha meus compromissos e coisas a resolver, não só do condomínio, mas eu também tenho vida pessoal, embora muitos condôminos pensem que quando você é eleito síndico você passa a viver total e exclusivamente para o condomínio.
No final do dia eu só conseguia pensar em contratar uma psicóloga para atender aos moradores. Comentei sobre isso com a Consuelo, uma moradora que é psicóloga, e ela me disse:
“Maria, promova um chá, um bingo, uma aula de yoga comunitária, e você vai ver que tudo se resolve”.
Pensei muito nisso e cheguei à conclusão que é isso mesmo, falta aproximação entre as pessoas, falta motivo para olhar pro próximo e ver que cada um está tentando sobreviver nesses tempos difíceis, ou talvez seja só mais um sintoma que o inverno causa na gente. Amanhã é um outro dia e a primavera há de chegar.
Martinha Silva é escritora, graduada em Administração, especialista em Gestão de Pessoas e gestora condominial em Itajaí