A crescente popularidade dos veículos elétricos no Brasil, incluindo carros, bicicletas e motos, tem transformado o panorama da mobilidade urbana.
Dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) revelam que o ano de 2024 fechou com impressionantes 177.538 veículos eletrificados vendidos. Isso representa um crescimento de 89% em comparação a 2023 e reflete uma mudança relevante no comportamento do consumidor brasileiro, cada vez mais inclinado a adotar tecnologias automotivas sustentáveis.
Essa transformação na mobilidade também tem impactado diretamente os condomínios residenciais, que precisam se adaptar à nova realidade para atender às demandas dos moradores. A questão central é como garantir que todos possam usufruir dessa tecnologia de forma segura e eficiente.
Sendo assim, síndicos e gestores enfrentam novos desafios: como adaptar a infraestrutura para atender à demanda por carregamento de veículos elétricos e garantir a segurança de todos os moradores, considerando que esse processo inclui desde a instalação de estações de recarga até a regulamentação do uso das áreas comuns para essa finalidade?
Para Néia Lehmkuhl, administradora e pós-graduada em Gestão da Segurança Contra Incêndio e Pânico, o maior desafio para os síndicos costuma ser o de conseguir conscientizar os condôminos de que carros eletrificados (elétricos ou híbridos) não são uma carga convencional, conforme determina a norma da CELESC, bem como as implicações legais e os riscos inseridos, que exigem o cumprimento de etapas importantes, objetivando a segurança de todos e a legalidade das instalações.

“Isso acontece principalmente por haver uma forte tendência ao recebimento de instruções equivocadas por parte das concessionárias de veículos, no ato da venda. Em especial quando afirmam que a energia poderá ser derivada do relógio do apartamento correspondente, o que por si só é proibido pela legislação em vigor, causando implicações sérias, tanto para o condômino quanto para o condomínio e o síndico”, destaca Néia.
A administradora explica que a responsabilidade pelo veículo é do proprietário, porém as garagens de prédios e o entorno são de responsabilidade do condomínio. “Se observarmos que a maioria dos incêndios que envolvem carros eletrificados tem origem nas instalações do carregamento e não no veículo, percebemos como é ainda mais importante que o síndico seja muito bem orientado e siga alguns passos recomendados para o tema”.
Entre essas recomendações estão: análise da infraestrutura, normas da companhia de energia e Corpo de Bombeiros, questões jurídicas e do contrato de seguro. Néia reforça a importância de o gestor informar ao corretor sobre esse tipo de alteração, ajustando assim a apólice, de forma a atender a nova demanda.
A mesma preocupação é compartilhada pela engenheira Dione Borges, que atua em uma empresa especializada em segurança contra incêndio. Ela complementa que é importante a realidade do empreendimento estar de acordo com as exigências dos órgãos competentes. “Em caso de sinistro, ou até mesmo de um pequeno incêndio, em que o condomínio precise acionar a seguradora, eles vão exigir uma regularidade de 100% junto ao corpo de bombeiros. Por isso, o síndico precisa estar ciente de tudo e entender todo o processo, para quando for fazer a solicitação de funcionamento ter certeza que a iluminação, a sinalização, o alarme e o sistema de hidrante, por exemplo, estejam em perfeito funcionamento”, diz.

Além disso, ela também destaca que investir em um projeto de prevenção de incêndio é fundamental para proteger a vida e o patrimônio dos moradores, além de atender às exigências legais. “Ao garantir a segurança, ele valoriza o imóvel e cria um ambiente mais seguro e tranquilo para todos. A implementação desse projeto demonstra o compromisso do condomínio com o bem-estar e a proteção dos seus residentes”, pontua Dione.
Além disso, ela diz que, considerando os desafios únicos que os incêndios em carros elétricos apresentam, investir em treinamento especializado é essencial para condomínios. “Ao capacitar pessoas para lidarem com essas emergências, garante-se a segurança de todos os residentes e a proteção do patrimônio, promovendo um ambiente mais tranquilo e confiável”, afirma a engenheira.
Em conformidade
Nos condomínios novos que foram projetados com essa concepção, em tese, Néia pontua que basta seguir as diretrizes estabelecidas no projeto correspondente e/ou manual da edificação, além da observância quanto à emissão da responsabilidade técnica na execução.
Já no caso de condomínios novos onde não há essa previsão, é fundamental a análise por empresa/profissional de engenharia elétrica, além da verificação da disponibilidade de carga, bem como a confecção de projeto específico de padronização.
Agora, quando falamos em condomínios antigos, além da disponibilidade de carga, da análise por profissional especializado, também se torna importante a avaliação das condições das instalações existentes, que por vezes já necessitam de reforma ou retrofit.
Cuidados
Embora a tecnologia seja inovadora e sustentável, questões relacionadas à segurança e à regulamentação ainda estão em fase de desenvolvimento, exigindo planejamento estratégico e ações proativas dos condomínios. Muitos estudos sobre como prevenir incidentes envolvendo baterias e sistemas de recarga em ambientes compartilhados estão em andamento.

De acordo com Marcelo Valle da Silva, CEO de empresa de soluções de segurança para as inovações energéticas e coordenador da Comissão de Estudos de Segurança Contra Incêndio Envolvendo Baterias do CB024/ABNT, é essencial que os condomínios invistam em infraestrutura elétrica adequada, como quadros de distribuição preparados para o aumento da demanda energética e sistemas que evitem sobrecargas, e há a obrigatoriedade de comunicação para a ANATEL.
“Os incêndios relacionados à recarga são causados por problemas na rede elétrica ou superaquecimento do circuito da bateria. Em alguns casos, a bateria não chega a ser afetada por causa da segurança embarcada. Embora pareça burocrático, o problema seria muito maior se um morador desejasse instalar um posto de abastecimento de combustível ou GNV na garagem. Ainda estamos nos acostumando com o novo”, reforça Silva.
O especialista lembra que os prédios devem possuir sistemas automáticos de detecção e combate, ventilação e resistência ao fogo, além de alarme de incêndio e plano de abandono, ambos efetivos e testados periodicamente, sendo que a fumaça é o principal fator que deve ser imediatamente mitigado.
Como um cuidado a mais, ele indica que os condomínios invistam em sistemas de detecção por temperatura, que podem ser adicionados às respectivas vagas ou aos carregadores. Isso permite uma ação precoce, antes do desenvolvimento da fuga térmica, que inclui o isolamento com manta corta fogo, acionamento do Corpo de Bombeiros e retirada dos veículos.
Silva destaca ainda que a segurança em garagens edificadas deve ser analisada de forma integral, não devendo ser determinada ou influenciada pelo tipo de veículo. Tanto que ele sugere que os dispositivos de mobilidade pessoal, como e-bikes e e-scooters, também devem ter igual preocupação. “Seguindo as boas práticas da cidade de Nova Iorque, esses dispositivos não devem ser levados e recarregados dentro dos apartamentos. Deve haver uma estação de recarga em local seguro e protegido de uso coletivo”, reforça o especialista.
Ele lembra ainda que existem barreiras de ordem estrutural e econômica à mudança e, por isso, ocorre a busca por alternativas efetivas. “Estamos trabalhando bastante, fazendo teste em escala real, benchmark com bombeiros em todo o mundo e investigando as ocorrências recentes, dentro e fora do país”, pontua o especialista.
Para a infraestrutura elétrica do prédio, ele orienta que a ABNT NBR 17019 deve ser seguida à risca, e todas as normas correlacionadas. “O carregamento em garagens é um dos motivos que torna os veículos elétricos interessantes, práticos, sustentáveis e econômicos. Durante a recarga, o ‘risco é essencialmente elétrico’ e será seguro desde que as recomendações sejam seguidas. O investimento inclusive pode ser recuperado com o uso do mercado livre de energia e sistemas de cobrança”, explica Silva.
Ele lembra ainda que há vários modelos de negócio disponível. Por isso, a escolha do fornecedor torna-se algo tão importante e rigoroso, como o fato da necessidade de o síndico exigir a anotação de responsabilidade técnica, que garanta que o sistema de recarga está conforme as normas técnicas aplicáveis.
Transição
Outro aspecto importante é a conscientização sobre os benefícios e cuidados com os veículos elétricos. Campanhas educativas podem esclarecer dúvidas sobre consumo de energia, custos de instalação e manutenção, além de promover boas práticas para o uso compartilhado das infraestruturas. A elaboração de regulamentos internos pode ajudar a definir responsabilidades, organizar o uso das estações de carregamento e evitar conflitos entre os moradores.
Como dica para os síndicos, Silva destaca a importância de os gestores procurarem entender a tecnologia, seus riscos e, principalmente, os fatores de segurança. “A transição energética é vital para o nosso planeta. Melhor, para frear os efeitos globais que já afetam o local onde moramos. Em breve, teremos normas e regulamentações com maior esclarecimentos e o investimento em segurança será inevitável, tendo ou não veículos elétricos”, diz.
Embora a transição para a mobilidade elétrica represente desafios, ela também traz oportunidades. Os condomínios que adotarem soluções inovadoras e sustentáveis poderão se destacar como exemplos de modernidade e preocupação com o meio ambiente, além de agregar valor aos seus empreendimentos.
Os especialistas defendem que, com planejamento e colaboração entre moradores, síndicos e especialistas, é possível transformar os condomínios em ambientes preparados para o futuro da mobilidade, promovendo conveniência, segurança e sustentabilidade.

Combate em caso de incêndio
De acordo com Marcos Aurélio Espíndola, CEO de empresa especializada em prevenção e combate a incêndios, o comportamento de incêndios em veículos elétricos é muito diferente do observado em veículos a combustão, sendo que, entre os principais fatores que os tornam mais perigosos, estão: as temperaturas extremas que podem chegar a 1600ºC, devido à fuga térmica nas baterias de íons de lítio; os gases tóxicos e explosivos decorrentes da queima das células; e dificuldade de extinção do fogo, pois enquanto veículos a combustão podem ser controlados com uma quantidade razoável de água, incêndios em elétricos frequentemente demandam milhares de litros de água e até soluções alternativas.
“Um exemplo marcante foi registrado em Santa Catarina, onde o incêndio de um veículo elétrico exigiu 21.500 litros de água para o controle das chamas, resultando no colapso da estrutura da garagem”, compartilha Espíndola.
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Orientação complementar vem de Silva, que não indica o uso de extintores de incêndios nos casos em que a bateria tenha sido afetada. Segundo ele, quando o fogo atinge esses repartimentos, a situação deixou de ser um princípio de incêndio e os extintores não terão quantidade e nem vazão suficiente para conter as chamas.
“O combate deve ser feito com água, por bombeiros, devendo antes ser desligado o sistema de recarga, se ele estiver acoplado. Dispositivos rápidos de intertravamento de energia de emergência podem ser instalados e sinalizados nas garagens”, explica Silva. O especialista ensina ainda que odor adstringente (tipo acetona), estalos, assobios, ejeção de materiais incandescentes e uma fumaça densa de cores clara e escura são sinais característicos de que outros materiais como estofamento, painel e pneus podem estar pegando fogo.
Como preparar um condomínio para veículos elétricos
Infraestrutura elétrica: avaliar se a rede elétrica suporta a demanda dos carregadores.
Plano de prevenção e combate a incêndios: desenvolver um plano específico que inclua medidas como mantas antifogo e sistemas de aerossol.
Localização estratégica: posicionar as estações de recarga em locais acessíveis e bem ventilados.
Treinamento e conscientização: garantir que moradores e funcionários conheçam os riscos e saibam como agir em emergências.
Fonte: Marcos Aurélio Espíndola