O Regimento Interno (RI) é um conjunto de normas que regulamentam e disciplinam a conduta interna dos condôminos, locatários, funcionários e visitantes. Sem regras claras a administração do condomínio enfrentaria problemas, já que cada um agiria conforme a sua vontade, sem um padrão de conduta definido. No entanto, de nada adianta ter um regimento defasado, em desacordo com as legislações e com a realidade atual dos moradores. Em Santa Catarina, cerca de 70% dos condomínios se baseiam em RIs desatualizados, segundo levantamento divulgado pelo proprietário da Cidade Contabilidade, Luciano Cidade. "Sem regras o síndico não administra e os condôminos não convivem pacificamente", aponta.
Dificuldades
Os síndicos costumam enfrentar resistência e dificuldades para atualizar o Regimento Interno do condomínio. Para a síndica, Enara Paes Lima, do André Maikot, no bairro Estreito, em Florianópolis, a falta de conhecimento sobre a legislação foi o principal entrave, quando decidiu atualizar o Regimento Interno do residencial. “Encontrei dificuldade para elaborar as novas regras devido à falta de conhecimento jurídico. Quando assumi o condomínio era leiga no assunto e tive que pesquisar muito, pois o Regimento não pode estar em oposição às legislações específicas que regem os condomínios", explica.
Defasagem
A atualização do Regimento Interno não é um processo simples e rápido. De acordo com a gestora, a tarefa começou em 2006 e terminou em 2007. "Ficamos um ano pesquisando, debatendo, avaliando, para finalmente aprovar um documento que atendesse a necessidade do nosso condomínio". Em 2004, quando Enara tomou posse do cargo de síndica, o condomínio sequer tinha Regimento. "Nós tínhamos apenas uma minuta de Regimento, que para piorar era baseada no antigo Código Civil. Essa minuta não assegurava todos os direitos e deveres do condômino".
Equipe
Para elaborar o Regimento Interno do residencial, a síndica contou com o auxílio de um advogado, já que se trata de um conteúdo jurídico e burocrático. "Tive dificuldade em acertar na contratação. Passei por três profissionais até chegar a um que atendesse as nossas expectativas. Alguns advogados aceitam a causa, mas se não houver cobrança e acompanhamento, eles deixam a desejar. É muito importante escolher um bom profissional". Além da assessoria jurídica, o Conselho Consultivo e os condôminos foram imprescindíveis ao processo. "Solicitei a sugestão dos moradores, realizei assembleias e elaboramos, em conjunto, todo o documento. Apresentamos o projeto, em data show, para analisar todos os detalhes, antes da sua aprovação. Temos que garantir que os condôminos não saíam com dúvidas da reunião", esclarece Enara.
No condomínio Caminho da Praia, localizado nos Ingleses, em Florianópolis, o síndico Ernildo Tadeu Rodrigues, que também passou pelo processo de atualização do RI, conta que a participação dos condôminos foi facilitada pelo uso da rede online. "É bem mais fácil, hoje, promover esta interação, utilizando o recurso da Internet. Basta mandar um e-mail e você já consegue atualizar todos os moradores sobre o andamento do processo, além de receber sugestões", pontua o síndico.
Aprovação
Os síndicos ficam em dúvida quanto ao quórum necessário para alteração e aprovação do Regimento Interno. A Lei n. 10.406/2002, que criou o Código Civil Brasileiro, não estabelece, expressamente, o número mínimo de votantes exigido. A legislação define, no entanto, que “depende da aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos a alteração da Convenção". Para o advogado e membro do Conselho Jurídico da Vice Presidência de Administração Imobiliária e Condomínios do SECOVI de São Paulo, Michel Rosenthal, apesar de não haver citação nominal no texto da lei, o artigo 1.334 inclui o Regimento como item próprio da Convenção (inciso V), portanto, por extensão, a exigência de quórum da Convenção se aplica ao RI. “Exceto se a própria Convenção definir quórum diferenciado para o Regimento”, elucida.
O quórum de 2/3 pode parecer algo impossível de atingir em assembleias condominiais, um fator impeditivo para aprovação do novo RI. Entretanto, para a síndica, Enara Lima, esse quesito não foi um problema no condomínio André Maikot. "Nós conseguiríamos até mais que dois terços, porque essas assinaturas não precisam ocorrer necessariamente durante a assembleia. Depois da reunião deixamos a votação em aberto, para que os condôminos pudessem avaliar o Regimento e votar". Por outro lado, Enara também salienta que, embora comumente os condôminos não participem das assembléias, geralmente temas como aprovação de regimento e eleição de síndicos, ampliam esta participação. Uma dica para a fase de votação é a procuração. "O proprietário pode eleger um procurador para lhe representar. Basta que conste no documento as diligências e a observação de que a procuração é exclusiva para aquela assembleia".
Registro em cartório
Com o texto do Regimento Interno aprovado é preciso registrá-lo em cartório. "Essa etapa é mais burocrática e passível de complicações", alega Luciano Cidade. A recomendação é enviar o documento para avaliação do cartório, antes do recolhimento das assinaturas dos condôminos. “Isso é muito importante, porque o cartório sempre pede alterações e se o condomínio já tiver recolhido assinaturas terá que fazê-lo novamente”. Cumprido esse passo, o cartório recebe o documento assinado e, na opinião do síndico, Tadeu Rodrigues, inicia-se o estágio mais árduo do processo: “O síndico precisa ir a vários cartórios da cidade para reconhecer firma de todos que assinaram o documento". De acordo com Luciano Cidade a dificuldade aumenta quando o cartão de assinaturas dos condôminos não está atualizado no cartório, apresentando diferenças com nome de solteiro, casado, entre outros. “Havendo o erro, o jeito é pedir para o condômino atualizar o cartão de assinatura junto ao cartório", orienta Luciano, observando que esses detalhes são os responsáveis por dar mais morosidade ao processo.
Aplicação
É normal que depois da aprovação de um novo RI para o condomínio muita coisa mude, e para melhor. Porém, há uma fase de adaptação que exige paciência e jogo de cintura do síndico, e o interesse dos moradores. Enara decidiu elaborar uma cartilha ilustrada com o conteúdo completo do novo Regimento Interno. "Essa fase foi muito difícil. Tive que fazer muitas notificações. Os moradores tiveram que ser reeducados para uma realidade totalmente nova, mas que traria muitos benefícios para o condomínio", enfatiza. No começo a síndica sofreu resistências. "Pouco a pouco as pessoas foram se adaptando. Hoje, está muito tranquilo e organizado, diferente do que era antes. Com certeza uma gestão baseada em regras coerentes faz muita diferença".
DICAS
Observe as orientações do advogado Michel Rosenthal:
- O síndico não tem poderes para, sozinho, alterar o Regimento Interno: é preciso convocar assembléia;
- Se o síndico não tomar a iniciativa de convocar assembléia, 1/4 dos condôminos poderá fazê-lo;
- A Convenção poderá determinar quórum diferenciado para alteração do Regimento Interno;
- O Regimento Interno não pode conflitar com a Convenção, ou com qualquer outra lei brasileira hierarquicamente superior. As principais são: Lei do Inquilinato e o Código Civil;
- É recomendado que o Regimento Interno seja elaborado por temas. Em muitos condomínios o documento é redigido em um só texto denso e de difícil leitura;
- Convém que o texto do Regimento Interno seja formulado por um advogado: ele deve ser claro e detalhado, nem muito formal nem coloquial e sem muitas referências a artigos legais;
- O Regimento Interno deverá ser registrado em Cartório de Registro de Título e Documentos;
- Sossego, saúde e segurança são requisitos importantes para os que habitam o condomínio: ao redigir o novo documento é preciso descrever detalhadamente comportamentos que favoreçam e garantam o bem-estar coletivo.
Alterações mais comuns
Muitas alterações no Regimento são comuns a todos os condomínios: disciplinar o uso do espaço coletivo para que todos possam usufruir da estrutura, sem prejuízo aos demais moradores. No condomínio André Maykot foi necessário incluir regras para a fachada do prédio. Segundo a síndica Enara, roupas e varais, entre outros objetos pendurados nas janelas, provocavam poluição visual no condomínio. "O nosso RI proibiu isso. Desvalorizava a moradia e prejudicava a estética do edifício”, argumenta.
Outro ponto incluído no RI do condomínio foi à exigência de agendamento para o uso das churrasqueiras e do salão de festa. "Antigamente ninguém avisava sobre o uso dessas áreas comuns. Hoje, só usa o salão de festa o morador que marcar quatro dias antes, para que a limpeza do espaço possa ser realizada", ressalta Enara, que também assinala: "A dica que dou é não abrir mão das regras, não permitir exceções. Se ceder para um deverá ceder para todos". Para o especialista Luciano Cidade, acidentes com crianças em piscinas, têm sido debatidos nas reuniões sobre o Regimento Interno. "Criança menor de 12 anos é legalmente considerada menor incapaz e os condomínios estão acrescentando a norma proibindo a presença de menores, em áreas de piscina, sem a presença dos pais ou responsáveis".
Animais
Animais de estimação estão sempre na pauta de discussão, mas, segundo Lei Federal, é garantido a qualquer pessoa ter um animal de estimação no condomínio. Com quatro processos de alteração de Regimento Interno de condomínios de Florianópolis em andamento, o proprietário da Cidade Contabilidade relata que um dos temas mais abordados é sobre o comportamento de condôminos que possuem animais de estimação. "Antigamente animal em condomínio era proibido. Hoje muita gente tem cachorro, gato, entre outros bichos. Para se adequar a esta realidade, os moradores têm buscado acrescentar cláusulas ao Regimento, que dispõem sobre as regras para o convívio. Cachorro pelo elevador de serviço e no colo, responsabilidade pela limpeza da sujeira do animal, entre outras questões".
De acordo com o advogado Michel Rosenthal, uma das questões que os condomínios têm acrescentado na atualização do documento é a assembleia online "Essa é uma realidade, hoje. Muitas reuniões e cursos são realizados à distância pela Internet. Eu acredito que o condômino presente é sempre melhor, porém muitos moram fora, outros não podem comparecer. Nesses casos, o recurso acaba sendo muito útil para os condomínios".
Drogas e inadimplência
O uso de entorpecentes por parte de adolescentes e adultos é uma realidade preocupante nos condomínios, que também entram em debate para inclusão de regras no Regimento Interno. "Os condôminos determinam se é permitido ou proibido o uso de maconha e cigarros no condomínio, além de estabelecerem os locais adequados. Esse tema é razão para muitos conflitos entre vizinhos", diz Luciano.
Algumas ferramentas para conter inadimplência podem constar no RI, dentre elas: o corte de gás e a inscrição no Serasa de condôminos que estão em atraso com o pagamento da taxa do condomínio. "Para aplicar esses recursos é necessário que sejam previstos no Regimento Interno, a fim de evitar passivos judiciais e questionamentos", observa Luciano Cidade.