O síndico de um condomínio na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, conseguiu proibir proprietários de usarem seus apartamentos para locações por curta temporada.
A decisão foi implementada há um mês, após dezenas de assembleias e reuniões, impedindo assim a chegada de hóspedes desconhecidos durante o carnaval. O mau comportamento dos locatários, a falta de segurança e o aumento de despesas com água e luz estão entre as principais reclamações dos residentes. No prédio, antes da medida radical, houve períodos em que 10% dos apartamentos eram ocupados por clientes de plataformas como Booking e Airbnb, e alguns proprietários já planejavam comprar mais unidades para o mesmo fim.
O Rio tem o maior mercado de Airbnb no Brasil. No fim do ano passado, um levantamento da Reuters, feito a partir de dados da plataforma de aluguéis coletados pela empresa de análise AirDNA, indicou que, em Ipanema, em cada sete moradias há uma hospedagem de Airbnb.
— Chegamos a ter sete apartamentos com Airbnb de uma vez só. Muitos recebiam entre seis e oito hóspedes. As pessoas usavam piscina, academia, e os próprios moradores não conseguiam — lembra o síndico Ayrton Laurindo Neto, que é advogado. — No parquinho das crianças, chegou a cair garrafa de vidro, camisinha.
Sem recurso: Ayrton Laurindo Neto, síndico de um edifício na Avenida Vieira Souto, onde, desde fevereiro, é proibido o aluguel por temporada — Foto: Guito Moreto / Agência O GloboSem recurso: Ayrton Laurindo Neto, síndico de um edifício na Avenida Vieira Souto, onde, desde fevereiro, é proibido o aluguel por temporada — Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Mudanças
Na Câmara Municipal, o projeto de lei 107/2025, apresentado este mês pelo vereador Salvino Oliveira (PSD), regulamentando aluguéis de curta temporada, deu o que falar e já passa por reformulação. Entre os trechos polêmicos a serem retirados está um artigo que veda esse tipo de hospedagem na orla da Zona Sul: praias do Flamengo e de Botafogo, e avenidas Atlântica, Vieira Souto, Francisco Otaviano, Delfim Moreira e Prefeito Mendes de Morais.
— Desenhamos um primeiro projeto muito duro para tornar o debate público, para forçar a sociedade a falar. Mas ele passará por modificações — pondera Salvino. — O ponto mais importante é a segurança. As pessoas precisam se sentir seguras dentro de casa. O segundo grande ponto é o compartilhamento e o armazenamento de dados. A prefeitura precisa ter acesso a esses números para se organizar.
A proposta veio acirrar o debate sobre uma questão ainda não pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que está colocando condôminos em pé de guerra. A Câmara Municipal criou uma comissão especial para estudar o tema, que também será debatido nesta terça-feira numa audiência pública, promovida pela Comissão de Turismo da Casa.
Síndica de um prédio na Rua Assis Brasil, em Copacabana, desde 2008, Adelaide Nunes conta que seu condomínio conseguiu, em assembleia, proibir há cerca de um ano o aluguel por curta temporada de uma das coberturas. Só que, agora, ela suspeita que os proprietários tenham conseguido driblar a decisão, alugando o apartamento para sublocação:
— Dizem que as pessoas são parentes e amigos, que estão recebendo para o carnaval, o réveillon. Mas o que vemos é uma grande rotatividade. Vira e mexe tem gente nova.
Farra no apartamento’
Uma Administradora que gere 768 condomínios no Rio informa que o número de assembleias para tratar de reclamações de aluguéis por temporada cresceu 39% nos dois primeiros meses deste ano, em comparação com o mesmo período de 2024: 28 assembleias discutiram o assunto no 1º bimestre de 2024 e 39 no 1º bimestre deste ano.
edifício de Adelaide tem 20 apartamentos, três deles coberturas duplas. Antiga, a convenção do condomínio não trata do aluguel por curta temporada, embora defina o prédio como residencial.
— Alugavam uma das coberturas, e era um transtorno. O consumo de água aumentou muito, e, várias vezes, era uma farra no apartamento. Levamos todos esses problemas para assembleia, que proibiu — conta Adelaide.
Há casos em que a convivência entre moradores e hóspedes de curta temporada consegue ser pacífica, como no prédio em que Tony Teixeira é síndico, na Rua Xavier da Silveira.
— Mas é preciso criar regras rígidas para o Airbnb. E, se o condomínio quiser proibir, pode fazer isso na sua convenção. Mas esse é um assunto particular, que tem que ser decidido por cada condomínio — diz ele, que preside a Associação de Moradores de Copacabana.
Da bancada governista e ex-subprefeito do Rio, como Salvino, o vereador Flávio Valle (PSD), presidente da Comissão de Turismo da Câmara, está preparando outro projeto de regulamentação do aluguel por curta temporada. Segundo ele, nas conversas que teve com Eduardo Paes, o prefeito se mostrou disposto a regulamentar o assunto, “desde que não seja uma aberração”.
— O que o prefeito quer é garantir que a cidade esteja cheia de turistas e que o setor hoteleiro não seja ameaçado pelo aluguel por temporada — afirma ele.
O projeto que regulamenta os serviços de locação por até 90 dias, a ser apresentado por Valle, institui a cobrança de ISS. Ele lembra que as plataformas, sediadas em São Paulo, pagam o imposto. Para não criar bitributação, o ISS seria cobrado dos “anfitriões”, ou seja, das pessoas físicas (donos dos imóveis) ou jurídicas (administradores). Estes teriam que se cadastrar e obter um alvará digital simplificado na prefeitura, mas as plataformas (“intermediadoras”) seriam encarregadas de cobrar e repassar os valores ao município.
— Com isso, garantimos a paridade. Os hotéis pagam ISS à prefeitura — alega Valle.
A proposta inclui ainda a exigência para que “intermediador” e “anfitrião” solicitem e verifiquem a documentação dos hóspedes.
— Com a base nacional de dados, será possível saber, por exemplo, se um hóspede é uma pessoa procurada pela polícia — alega Valle.
Salvino e Valle concordam com uma finalidade do novo projeto: a da regulamentação.
— Outras cidades do mundo exigem cópia de passaportes, de identificação. Essas informações precisam ficar armazenadas pela prefeitura. Isso não é para burocratizar. Queremos que as plataformas sejam reguladas. Hoje, o que se tem é um mercado da informalidade — diz Salvino.
Enquanto a proposta de Valle não é apresentada, o vereador Pedro Duarte (Novo), que preside a Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara Municipal do Rio, direciona suas críticas contra o projeto de Salvino, que o considera até inconstitucional:
— É um projeto burocrático e de arrecadação. Ele obriga ainda os proprietários de imóveis a ter cadastro no Ministério do Turismo e na prefeitura, ter alvará sanitário e de funcionamento. A alegação de segurança não se sustenta.
Para Duarte, o aluguel por temporada já tem limites, fixados pelas plataformas. Em relação ao aumento das despesas, em decorrência dos gastos dos hóspedes, faz um contraponto:
— Problemas de inadimplência do condomínio diminuíram em função do aluguel por curta temporada.
Ainda sem jurisprudência
Na última quinta-feira, o Airbnb enviou à Receita Federal dados de proprietários que alugaram acomodações por meio da plataforma entre 2020 e 2024. A empresa também aproveitou o comunicado para recomendar que esses anfitriões declarem ganhos com compartilhamento de espaços no Imposto de Renda.
Em resposta ao GLOBO, o Airbnb diz que suas atividades se alinham com a Lei do Inquilinato e que está comprometido a “apoiar o crescimento econômico, ajudando proprietários de imóveis a participarem ativamente da economia do turismo”.
Quanto ao Judiciário, o STJ informa que nos últimos anos “analisou alguns casos relativos à locação de imóveis por curta temporada, tendo firmado algumas posições sobre o tema”. A questão, contudo, prossegue, “ainda não foi resolvida no âmbito dos precedentes qualificados (ou seja, as decisões do STJ que se tornam vinculantes para todos os tribunais)”. Uma das sentenças determina que esse tipo de locação não pode ocorrer no caso de prédios em que a proibição consta da convenção do condomínio. Mas “processos sobre o tema continuam sendo analisados”.
Exemplos mundo afora
No exterior, um dos principais impactos da hospedagem por curta temporada foi o aumento dos aluguéis para os moradores. Por isso, muitas cidades turísticas criaram barreiras.
Nova York: O aluguel de propriedades inteiras é proibido para períodos abaixo de 30 dias, a não ser que o dono da propriedade também esteja presente; apenas dois convidados podem alugar a propriedade por vez; e o locatário deve se registrar junto a um escritório especial da prefeitura, fornecendo informações sobre a propriedade a ser alugada, que deve aderir a regulamentações de zoneamento e segurança.
Paris: Há restrição sobre o período máximo que uma residência primária pode ser alugada, que é de até 90 dias; proprietários têm de cadastrar seus imóveis em um registro on-line de âmbito nacional; eles têm de provar ainda que as hospedagens ofertadas são realmente suas residências primárias; há aplicação de multas entre 10 mil e 20 mil euros para locatários ilegais e de até 50 mil euros para plataformas que permitam violações.
Barcelona: Até novembro de 2028, a cidade cessará a emissão de novas licenças e deixará de renovar as já existentes para aluguéis de curta temporada.
Fonte: Atlântida Administradora