Como seu condomínio trata o autismo?

Como seu condomínio trata o autismo?

Informação, bom senso e empatia podem ser a chave para uma boa convivência

O barulho é um dos principais causadores de desentendimento entre vizinhos em um condomínio. Mas e quando esse incômodo é causado por crianças ou adultos com transtorno do espectro autista (TEA)?

No condomínio administrado por Márcio Luiz Heinzen, em Florianópolis, a presença de três moradores com autismo, sendo dois casos mais severos, acabou na justiça pela falta de tolerância.

“O condômino incomodado alegava que não importava a origem do barulho, se era mecânico ou humano. Ele exigia providências urgentes, inclusive pedindo para multar. Foi então que a mãe das crianças acionou o vizinho na justiça e obteve êxito, só que o problema foi resolvido da maneira mais doída possível”, relata o gestor.

Heinzen
No condomínio administrado por Márcio Heinzen, a presença de moradores com autismo, acabou na justiça pela falta de tolerância

Heinzen diz que o condomínio já realizou campanhas para conscientização e, inclusive, apresentou os aspectos legais da situação em assembleia. Mas, mesmo assim, poucos entendem ou demonstram empatia com os pais e com as crianças.

Situação que, segundo a advogada Maria Julia Manzi, que há cinco anos trabalha com causas envolvendo crianças com TEA, só se resolve com a mudança da cultura local. O autista tem dificuldade de autorregulação, ou seja, ele se sobrecarrega com os estímulos externos e a reação a tudo isso será através de comportamentos atípicos, como irritação, gritos, birras intensas e agressividade.

“A informação é fundamental, ainda mais em espaços que tenham um número mais elevado de autistas ou que o TEA seja em um grau mais severo. Assim, deixa de existir a ignorância sobre o assunto e as pessoas passam a ser estimuladas a terem mais tolerância”, defende Maria.

A especialista acredita que, como a cada dia, mais e mais crianças são diagnosticadas como portadoras do espectro autista, e como muitas moram em condomínios, dificilmente um síndico não precisará, durante o seu mandato, lidar com questões como esta.

“Nós estamos em um ritmo acelerado de incidência de casos, em que você obrigatoriamente irá conviver com autistas em algum ambiente. Dessa forma, cabe a sociedade como um todo, e aqui incluo os condomínios, achar meios de se adaptar para uma melhor convivência”, explica Maria.

Maria
Maria Julia Manzi: “Cabe a sociedade achar meios de se adaptar para uma melhor convivência”

Ela reforça que é importante que os síndicos conversem com os pais ou responsáveis para entender quais são as reais dificuldades e, assim, o condomínio possa fazer adaptações ou flexibilizações que tornem o espaço mais acolhedor.

O que diz a lei?

O advogado Zulmar Koerich, que atua há 20 anos no segmento condominial, explica que, as regras internas (convenção e regimento) devem ser analisadas sob a ótica da Constituição Federal (direitos fundamentais), e também em sintonia com a legislação especial (Estatuto da Criança e Adolescente, lei federal 12.764/12 e 13146/2015).

Mais que garantir que o autista passasse a ser considerado uma pessoa com deficiência, a legislação incluiu alguns direitos básicos, como a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer, entre outros.

Sendo assim, Zulmar lembra que, no condomínio, o barulho proibido é aquele que está fora do horário regulamentar e que pode ser evitado. O som mais alto de uma unidade em que reside uma criança portadora de necessidades especiais e por ela produzido não pode levar a uma punição.

“As regras internas do condomínio devem ser exigidas apenas daqueles que possuem condições de cumpri-las. Ou seja, daqueles que têm controle sob os mecanismos de escolha. Um idoso senil, uma pessoa com deficiência mental ou uma criança com autismo não se enquadram nessa classificação”, explica o advogado.

Além disso, Zulmar lembra que o condomínio não pode exigir que os pais submetam a criança a tratamento clínico para amenizar os sintomas, pois esta é uma decisão da família. Entretanto, uma vez que se verifique algum tipo de negligência – como criança perambulando sozinha pelas áreas comuns de forma frequente, suja, descuidada, ou deixada sozinha em casa - caracterizando assim maus tratos, o síndico deve entrar em contato com a assistência social do município. E, dependendo da situação, deverá inclusive acionar a polícia militar no local.

Como o condomínio e os moradores podem ajudar

O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição caracterizada por comprometimento na comunicação e interação social, associado a padrões de comportamento restritivos e repetitivos, como movimentos contínuos, interesses fixos e hipo ou hipersensibilidade a estímulos sensoriais. Os transtornos são condições permanentes que acompanham a pessoa por todas as etapas da vida. Veja como o condomínio pode ajudar:

• Formação dos funcionários/síndico/conselho para auxílio em casos de emergência - como convulsões. É importante saber como ajudar e quem deve ser acionado;

• Orientação dos moradores quanto a tolerância de barulho;

• Nos elevadores, estimular que os moradores deem a preferência de uso para as famílias com autistas. Assim, evita-se situações mais onerosas para o portador de TEA;

• Reforçar cuidados em relação à segurança, como no caso de controle de fuga. Se o porteiro conhecer os moradores, por exemplo, ele poderá ajudar na contenção;

• Colaboração com as entregas e atendimentos à domicílio. Para a família de um autista, muitas vezes o simples ato de ir até a portaria para encontrar um entregador pode se tornar um problema.

Fonte: Maria Julia Manzi

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