Falar da vida alheia é um hábito antigo em todas as culturas e isso se deve a alguns aspectos inerentes aos seres humanos, a começar pela curiosidade.
De acordo com a psicoterapeuta Lídia Monteirode Mello, que atua há mais de 40 anos na área, todos temos interesse em saber sobre os fracassos e sucessos dos outros. Seja para tentar desvendar o caminho do sucesso, num ideal de reproduzi-lo para ocupar aquele lugar de destaque - diretamente ligado ao ego - ou, no caso do fracasso, como forma de atenuar algum erro próprio, suprindo em nós mesmos a insegurança da vulnerabilidade.
Segundo ela, a fofoca cumpre dois papéis: o de tirar o foco de suas próprias imperfeições e também como espelho de alguma frustração. “Quando você faz uma fofoca, você não está só dizendo para si, como para a sociedade, que existem pessoas que cometem erros iguais ou piores que os seus. E também se identificando e se prontificando a divulgar uma situação referente a algo que gostaria de fazer, mas não tem coragem por ser algo julgado pela sociedade”, explica a especialista.
Porém, a “monitoração da vida alheia” nos condomínios pode ser bastante prejudicial. Síndico que fala mal de morador, o morador que por sua vez fala do síndico e o vizinho de vizinho. O problema é que muitas vezes essas conversas acabam passando dos limites e podem gerar situações constrangedoras, principalmente porque funcionam como um "telefone sem fio" e, no final das contas, aquela fofoca pode ter sofrido tantas distorções que sequer reproduz uma história verdadeira.
Limites
Por isso, é muito importante que se preze pela boa convivência entre os condôminos, que se evite fazer comentários sobre a vida alheia e, principalmente, não dar incentivo para os ditos fofoqueiros. “O síndico possui muitas atribuições importantes e ter que direcionar esforços para intervir em fofoca pode ser necessário, porém, é totalmente contraproducente. Este é um papel de todos e que não deveria depender do gestor para ser colocado em prática. Além disso, morar em um condomínio onde a fofoca "corre solta" ao ponto de causar danos psicológicos em terceiros não é benéfico para ninguém”, avalia Lídia.
Ela lembra ainda que, para não extrapolar qualquer limite, vale o clichê: o seu limite termina onde começa o do outro. Fazer fofoca, falar da vida alheia e até mesmo espalhar mentiras podem ter consequências mais sérias do que se imagina. Na hipótese de o assunto estar sem controle e a solução fugir do alcance do gestor, o ofendido pode buscar a justiça para ter seus direitos assegurados.

O que diz a lei
Segundo a advogada Mariana Salum Souza de Córdova, que há 10 anos atua no direito imobiliário e condominial, não há previsão legal expressa especificamente sobre fofoca. Entretanto, o ordenamento jurídico penal prevê os crimes por calúnia (acusar alguém publicamente de um ato sabendo que a pessoa não o cometeu), injúria (quando se atribui a alguém uma qualidade negativa ou ainda fala mal com intenção de humilhar) e difamação (espalhar algo sobre alguém que prejudica sua reputação), que são delitos praticados contra a honra de uma pessoa.
A convivência em condomínio, portanto, exige mais do que regras — exige empatia, respeito e responsabilidade, salienta a especialista. “A famosa "rádio corredor", quando alimentada por boatos maldosos e insinuações infundadas, pode deixar de ser mera inconveniência e se transformar em algo bem mais sério: dano moral”.
O Código Civil, em seu artigo 186, é claro: aquele que causar dano a outro, ainda que de forma não intencional, comete ato ilícito. Quando a fofoca compromete a reputação, honra ou tranquilidade de um morador, síndico ou funcionário, ela pode gerar o dever de indenizar.
Segundo a advogada, “é cada vez mais comum vermos decisões judiciais reconhecendo o abalo moral causado por fofocas disseminadas em grupos de WhatsApp ou assembleias. No caso de síndicos, inclusive, as críticas infundadas podem configurar assédio moral, tornando a gestão insustentável”.
Por isso, pense bem antes de acusar o síndico sem provas ou de atacar gratuitamente o seu vizinho. “Dependendo da forma com que a fofoca é propagada pelo seu locutor, este pode ser processado na esfera penal. Além disso, na esfera civil há previsão legal para o pagamento de indenização por aquele que causar dano a outra pessoa, de ordem moral”, explica Mariana. E, se o autor do incômodo for um funcionário do prédio, é possível ainda buscar uma demissão por justa causa. Mas, a advogada lembra que esse tipo de penalização deve ser antecedido de procedimentos específicos, como uso de advertência e suspensões, para que não haja maiores prejuízos ao empregador.
Outro fato que ela destaca é que o próprio condomínio pode ser responsabilizado diante do que se chama culpa in vigilando. “O condomínio pode ser processado por algum excesso cometido por um funcionário ou pelo próprio síndico, no exercício das suas funções. As formas mais eficazes para a inocorrência disso envolvem ações preventivas, cursos e capacitações dos funcionários e orientações jurídicas. A vida em condomínio pode ser muito mais leve, desde que haja respeito, reciprocidade e empatia”, reforça a advogada.
Mariana afirma ainda que, “além das medidas judiciais, o regimento interno pode prever advertências e multas por atitudes que atentem contra a boa convivência. O papel do síndico é agir com cautela e buscar assessoria jurídica para lidar com essas situações sem alimentar o conflito”. E reforça: “mais do que nunca, é hora de fomentar o diálogo, a escuta e o respeito. Fofoca pode parecer inofensiva, mas dentro de um condomínio, ela tem potencial destrutivo — jurídico, emocional e coletivo”.
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