Administrar um condomínio exige não só organização e habilidade em lidar com questões rotineiras, mas também um alto grau de responsabilidade legal e moral.
O síndico, figura central nesse contexto, é responsável por garantir que todas as demandas do condomínio sejam atendidas, incluindo a administração financeira, a manutenção predial e o relacionamento com os condôminos. No entanto, há situações em que o síndico ou a administradora não cumprem com suas obrigações de forma adequada, cometendo práticas ilícitas que prejudicam os condôminos e podem gerar implicações legais graves.
Alguns casos são tão famosos que os anos passam e boa parte dos profissionais que estão no mercado condominial conhecem, como uma administradora da Capital, que era referência pela quantidade de clientes, e que foi desmascarada por adulterar comprovantes de pagamentos diversos, como contas de luz, água e impostos.
Nos últimos anos, tem-se observado um aumento nos casos de condutas irregulares por parte de síndicos, inclusive com destaque nas edições recentes do Jornal dos Condomínios. A contadora Samara Lobo Cidade, da UP Condomínios, cita alguns dos exemplos “comuns” de desfalques que são praticados.
“Uma má administração pode gerar diversos problemas para os condomínios. Um síndico desorganizado não avalia corretamente as notas fiscais dos prestadores de serviços, nem faz as devidas retenções nos prazos estipulados. Além disso, sem um planejamento orçamentário adequado torna-se difícil pagar os impostos em dia. Já enfrentamos casos de condomínios com contas atrasadas, como na CASAN, o que resultou no corte geral de água. Outros problemas comuns incluem dívidas protestadas, falta de registro na prefeitura e não pagamento do ISS dos prestadores”, relata.
Necessidade de fiscalização
A falta de fiscalização eficiente e a confiança depositada em uma única pessoa para a gestão de grandes quantias de dinheiro podem criar um ambiente propício para a má administração. Entre as infrações mais recorrentes, destacam-se o furto, a falsidade documental, a sonegação de impostos, o recebimento de propinas e o descumprimento de obrigações legais e normativas de manutenção.
O furto em condomínios, embora possa parecer incomum, tem se tornado uma prática recorrente, especialmente quando envolve a gestão financeira. Existem casos em que síndicos se apropriam de fundos do condomínio para fins pessoais, uma prática que configura o crime de apropriação indébita. Esses desvios financeiros, além de prejudicarem a saúde financeira do condomínio, podem resultar em falta de recursos para pagar fornecedores, funcionários e serviços essenciais, como limpeza e manutenção.
Outro crime recorrente é a falsidade documental, prática pela qual o síndico altera ou falsifica documentos para encobrir suas ações. Essa falsificação pode se dar por meio de contratos adulterados, balancetes alterados ou prestações de contas com dados manipulados para enganar os condôminos. O síndico Fabrício de Lara Vieira, administrador da Start Condomínios, cita um dos casos recentes da falta de profissionalismo no setor.
“Se os condôminos e o conselho começarem a prestar atenção é possível perceber os indícios de má conduta. Por exemplo, a falta de clareza nos orçamentos e a centralização das decisões sem participação de moradores devem ser observadas. Uma síndica, em Biguaçu, recentemente empenhou cheque do condomínio. Nossa empresa realizava o balancete, mas não conseguia fechar porque ela não entregava as notas fiscais. Essa síndica convenceu o conselho de que não precisava mais de assessoria na contabilidade e deixamos o condomínio. Passado um tempo foram descobertas as ausências financeiras, até com a casa dela sendo pintada com a mesma cor do prédio no mesmo período. Coincidência?”, conta
Condôminos que descobrem esse tipo de prática muitas vezes precisam recorrer à justiça para recuperar o dinheiro desviado, o que gera custos adicionais por conta dos serviços jurídicos e transtornos significativos.
Sonegação de impostos
A sonegação de impostos é uma infração que também tem sido observada na gestão de condomínios. O síndico, na qualidade de administrador, é responsável por garantir que o condomínio esteja em dia com todas as suas obrigações fiscais, incluindo o pagamento de impostos, contribuições previdenciárias e encargos trabalhistas dos funcionários do condomínio. A má gestão tributária pode levar o condomínio a acumular dívidas, prejudicando os moradores que, ao final, precisarão arcar com os custos desses erros. Além das multas, a sonegação pode resultar em processos judiciais que envolvem tanto o condomínio quanto o síndico. Segundo Fabiane Horst, sócia-administradora da HB Condomínios, de Brusque, a escolha por uma administradora com boa reputação e referência no mercado ajuda a evitar dor de cabeça para os moradores.
“Os condomínios são, acima de tudo, formados por pessoas, cada uma com suas particularidades e necessidades. Contar com uma administradora especializada é fundamental para assegurar que todos os aspectos sejam geridos de forma eficiente e transparente. Uma administradora qualificada oferece o suporte necessário para evitar problemas comuns que podem surgir em uma má gestão, falta de preparo na resolução de conflitos e até mesmo o descumprimento de obrigações legais. Em condomínios menores, muitas vezes o custo de uma administradora pode ser visto como um desafio. No entanto, é preciso considerar que esse investimento garante a tranquilidade de saber que o condomínio está cumprindo todas as suas obrigações legais, operando com segurança jurídica e mantendo uma gestão eficiente”, reforça.
A contratação de prestadores de serviço sem nota fiscal e sem o posterior recolhimento dos impostos é outra prática comum nos casos de gestões que lesam o condomínio para benefício próprio. Dirlei Magro, sócia da PLAC Planejamento e Assessoria de Condomínios, detalha uma das formas que os síndicos utilizam para agir fora da lei.
“Já vi condomínios que querem contratar serviços sem nota fiscal. Acabam contratando com recibo, só com um contrato, ou alguma coisa assim, para contratar mais barato. Alertamos muitos síndicos de que isso é errado, que a gente não faz. Se, por ventura, a nossa administradora vê isso, nós colocamos um alerta no próprio balancete para que os conselheiros saibam que isso está ocorrendo de maneira errada. Então, nós chamamos muita atenção a respeito disso, mas a gente sabe que tem condomínios que querem pagar mais barato e acabam contratando não com nota fiscal, mas com um recibo. E isso também é uma sonegação. Se isso acontecer é responsabilidade do síndico, novamente, porque é ele o ordenador final”.
Recebimento de Propinas
Infelizmente, o recebimento de propinas é uma prática bastante comum entre síndicos corruptos. Essa prática consiste no recebimento de dinheiro ou vantagens indevidas em troca de favores, como a contratação de empresas ou a aprovação de obras desnecessárias ou superfaturadas.
O síndico pode se aliar a empresa para fechar contratos em troca de uma porcentagem dos valores pagos. Além de impactar negativamente o orçamento do condomínio, essa prática muitas vezes compromete a qualidade dos serviços prestados, uma vez que as contratações não são feitas com base na competência técnica, mas no interesse pessoal do síndico. Fabrício de Lara Vieira explica uma situação que teve conhecimento na Grande Florianópolis, mas que é realidade em praticamente todos os lugares do país.
“O síndico fez a aprovação para requerer orçamentos para a pintura dos prédios, mas previamente já tinha os valores e as empresas definidas. Ele fez a explicação que um ‘amigo’ faria um orçamento menor, no objetivo de forçar a aprovação de quem ele teria algum privilégio após a formalização do contrato. Por isso sempre sugiro que os condôminos sejam vigilantes, assim como o conselho”.
Presidente da Associação dos Síndicos de Santa Catarina (Asdesc), o advogado Gustavo Camacho faz um alerta, já que nem sempre a culpa pelos casos de propina são responsabilidade do síndico, mas reforça a importância da idoneidade do profissional que irá gerir um condomínio.
“Infelizmente os maus profissionais existem em todas as esferas. No entanto, com a crescente capacitação, o nível dos profissionais do mercado se eleva, não deixando mais espaço para o amadorismo. O próprio mercado possui o condão de expurgar os profissionais com condutas inadequadas. É recomendável que os condomínios, ao lançarem editais de convocação para as assembleias de eleição, solicitem a apresentação pelos candidatos das certidões negativas junto aos órgãos municipal, estadual e federal, assim como as certidões de distribuições de ações cíveis, criminais, federais e de débitos trabalhistas”, lembra Camacho.
Descumprimento de Obrigações Legais e Normativas de Manutenção
A manutenção do prédio é uma das responsabilidades primordiais do síndico, e o descumprimento das obrigações legais e normativas de conservação pode colocar em risco não só o patrimônio, mas também a vida dos condôminos. A negligência em questões de manutenção predial inclui a falta de inspeções periódicas em elevadores, a não execução de obras essenciais de reparo, como a manutenção de telhados, sistemas elétricos e hidráulicos, além do não cumprimento de normas de segurança do Corpo de Bombeiros.
Síndicos que negligenciam essas responsabilidades podem ser responsabilizados civil e criminalmente, especialmente em casos onde ocorrem acidentes decorrentes da falta de manutenção. Em prédios antigos, por exemplo, a falta de uma manutenção adequada no sistema elétrico pode resultar em incêndios ou curtos-circuitos.
Léo Vinter, engenheiro civil especialista em Gerenciamento de Projetos para Engenharias, ressalta que é necessário seguir as normativas e que a negligência pode resultar em perdas no patrimônio.
“Inicialmente, é preciso entender que a manutenção predial é o conjunto de atividades que visa garantir o bom funcionamento e a conservação de um edifício. Com base nessa definição é possível concluir que a falha no cumprimento das atividades de manutenção gera impactos diretos no desempenho e na durabilidade da edificação. O síndico no cumprimento dos deveres a ele imputados pelo Código Civil, é o responsável direto por ‘diligenciar a conservação e guarda das partes comuns’ e, portanto, recai sobre seus ombros quaisquer responsabilidades das consequências geradas pela negligência das manutenções”.
Leopoldo ainda reforça a importância do condomínio contar com um programa de manutenções, o que é deixado de lado principalmente por gestores que fazem “vista grossa” em troca de reformas que os beneficiam financeiramente.
“Engana-se quem pensa que a implantação de um programa de manutenções é desnecessária para condomínios em garantia ou edifícios mais antigos (anteriores à norma de manutenção). No primeiro caso, é obrigatório a realização de intervenções preventivas conforme o Manual de Uso, Operação e Manutenção. O não cumprimento das determinações listadas nesse documento pode implicar na perda da garantia e consequente oneração dos condôminos com reparos que poderiam ser transferidos à construtora, caso o programa de manutenção fosse cumprido. Já no segundo caso, dos edifícios que já estavam em operação quando da publicação da norma técnica NBR 5674, o texto normativo já deixa explícito em seu escopo que ‘Edificações existentes antes da vigência desta Norma devem se adequar ou criar os seus programas de manutenção [...]’. Dessa forma, a perda de desempenho e redução da vida útil do edifício causada pela falha no cumprimento das atividades de manutenção também podem ser atribuídas a gestão do síndico”, explica.
Consequências Legais e Medidas de Prevenção
As ações ilícitas de síndicos, como furto, falsificação de documentos, sonegação de impostos e recebimento de propina configuram crimes previstos na legislação brasileira e podem resultar em sanções civis e penais. O Código Penal Brasileiro prevê penas para crimes de apropriação indébita, estelionato, falsidade documental, corrupção e outras fraudes cometidas por administradores de condomínios. Gustavo Camacho conta que o mercado tem absorvido mais bons profissionais, até porque a exigência é alta.
“O mercado se adaptou às novas exigências mercadológicas, tendo surgido diversos cursos de pós-graduação na área de gestão condominial, direito condominial e engenharia condominial. Uma pessoa que meramente fez um cursinho de um final de semana acaba por não mais conseguir acessar o mercado com o slogan ‘síndico profissional’. No que tange às questões éticas, é bem verdade que inexiste um conselho de classe, já que a função de síndico não é reconhecida oficialmente e não possui um CBO, porém, as associações de síndicos, tais como a Asdesc, vêm trabalhando em códigos de conduta e boas práticas aplicáveis aos profissionais que se encontram no mercado, como possibilidade de exclusão dos mesmos caso esteja associado”.
Realizar auditorias regulares nas contas do condomínio é uma forma eficaz de identificar desvios e irregularidades. Além disso, a participação ativa dos condôminos em assembleias e a criação de comissões de fiscalização são medidas que contribuem para uma gestão mais transparente e eficiente.
Outra recomendação é a contratação de síndicos profissionais, que são gestores especializados em administração condominial e geralmente estão vinculados a empresas ou associações que garantem uma conduta ética e qualificada. Esses síndicos possuem um conhecimento técnico mais aprofundado sobre legislação, contabilidade e manutenção predial, o que reduz as chances de irregularidades e contribui para uma gestão mais eficaz.
“Há síndicos que gastam o fundo de reserva de forma imprudente, deixando o condomínio desprotegido em situações de emergência. Funcionários sem registro adequado também são uma realidade. Portanto, é essencial que a administração do condomínio seja bem organizada, garantindo finanças saudáveis e evitando problemas e dores de cabeça. Um bom gestor, com conhecimento em impostos e finanças, é fundamental para o bom funcionamento do condomínio”, destaca Samara Lobo Cidade.
Por fim, Gustavo Camacho exemplifica bem como todo o mercado condominial perde com os maus profissionais que tentam se estabelecer no mercado.
“Quando um gestor incide em condutas negativas e/ou impróprias para a sua função, os seus pares do mercado são prejudicados, pois a atividade acaba por ser descredibilizada em sua essência. Anote-se que a função do gestor, mandatário, é pautada integralmente na fidúcia, posto que todos os titulares das unidades autônomas situadas em determinado condomínio outorgam ao mandatário os poderes para gerenciar os recursos da coletividade.
Não menos importante, tem-se o fato de que ao menos 30% da população brasileira reside em condomínios edilícios, sejam estes em planos horizontais ou verticais. Tais empreendimentos são a menor célula da sociedade, eis que é lá que a vida das cidades acontece. Ao serem gerenciadas inadequadamente, por mimetismo, tais entidades familiares acabam por serem desarmonizadas e consequentemente geram desarmonia em toda a sociedade. Logo, um síndico que age pautado em más condutas e voltado aos seus interesses pessoais não prejudica apenas a classe funcional, mas sobretudo a sociedade em sua menor célula”.