O Novo Plano diretor e os Condomínios

O Novo Plano diretor e os Condomínios

À parte de inúmeras questões cheias de polêmica, que envolvem a forma e os vetores de crescimento da cidade e nossas importantes áreas de preservação ambiental, uma característica do novo Plano Diretor, presente desde muito tempo nas discussões, é o incentivo ao uso misto em amplas áreas da cidade.

Seja como solução para a mobilidade, seja como indutor da vida urbana, este incentivo é visto com muito bons olhos por quem estuda os processos de urbanização, por quem conhece ou já viveu, por exemplo, nas densas cidades europeias, cujo ambiente é invejado em todo o mundo.

Morar perto de onde se trabalha, ter um pequeno negócio formal dentro de casa, resolver tarefas do dia a dia sem depender de grandes deslocamentos, permitem que se diminua grande parte das viagens da população, contribuindo para a mobilidade geral da cidade. 

Um planejamento urbano com áreas de atividade bem divididas e setorizadas uma vez foi o objetivo dos urbanistas que acabou transcrito em muitos planos diretores e embutido no sonho de cidade de grande parte da população. Hoje é o pesadelo dos gestores das cidades e de quem vive nelas.

Os grandes bairros “de subúrbio”, com casas e prédios exclusivos para moradia já foram o grande sonho de consumo de todo cidadão. Hoje esse sonho impõe às famílias as longas horas no trânsito e a necessidade de usar o carro até para chegar à padaria mais próxima.

Da mesma forma, sequencias de condomínios residenciais verticais, com suas portarias espelhadas e fachadas de garagens, resultaram em ruas vazias, desinteressantes, inseguras.

O uso misto foi algo até bastante comum por algum, presente em alguns importantes edifícios da cidade. Galerias comerciais no térreo de edifícios de apartamentos e até escritórios não são exatamente comuns, mas existem espalhados pelo nosso centro mais tradicional. Os ciclos de decadência urbana da região levaram alguns desses edifícios a não figurar como ícones de “desejo de consumo” da população, certamente não por conta dessa saudável mistura de usos. Seguem até hoje densamente ocupados e economicamente saudáveis.

Em contrapartida, áreas da cidade algum dia ricas de vida urbana, com a valorização imobiliária, foram aos poucos se esvaziando, transformando-se “ruas desertas”. Lembro de quão vivas eram até os anos 80 as calçadas da Avenida Beiramar Norte, com seus diversos bares e restaurantes. Hoje, com os condomínios residenciais exclusivos, um após o outro, há trechos em que só se anda em segurança durante o dia.

Vejo temeroso este processo de ocupação se repetir na rua Bocaiúva. Quando surgem novos edifícios residenciais, os térreos que poderiam ser ocupados com pontos comerciais ou de serviços se transformam em meros acesso aos condomínios, onde todos chegam de carro, em portões cegos de garagens.

Recentemente um empreendimento me chamou atenção positivamente. Numa esquina da Avenida Gama d’Eça, no térreo de um prédio de alto padrão, um supermercado veio brindar a vizinhança. Uma esquina que durante a obra parecia estar fadada a virar mais uma “fachada cega” de garagens, acabou virando um “ponto de luz” ao longo da calçada, trazendo comunicação com a cidade, movimento de pedestres e comodidade aos moradores do próprio condomínio e das redondezas.

Essa nova modalidade certamente traz desafios. Aos cidadãos, reconsiderar a ideia de morar em edifícios que não sejam exclusivamente de moradia. A arquitetos, desenvolver projetos bem resolvidos onde o comércio esteja devidamente valorizado e a privacidade de moradores garantida. A síndicos e condôminos, disposição e capacidade para elaborar e administrar regramentos satisfatórios para as diversas atividades. Mas certamente traz também grandes oportunidades.

O uso misto dentro da cidade traz consigo o conceito de “fachada ativa”, no qual uma determinada parcela da frente do lote é destinada a atividades de uso público, que se relacionem com a rua, que ofereçam acesso e serviço ao pedestre. Justamente o contrário das portarias espelhadas, dos pavimentos garagem, que empurram o primeiro olhar “companheiro” para um eventual morador na janela ou sacada vários andares acima da rua.

Além disso, considerando o acesso e uso público, estas fachadas ativas abrem espaço para jardins frontais com mobiliário urbano, abertos ao uso e à circulação das pessoas, estendendo a área tão restrita das nossas calçadas.

No estágio atual da nossa sociedade ou civilização essa ideia ainda pode assustar um pouco, acostumados que estamos a nos “proteger” da vida urbana. Mas é a oportunidade para que os verdadeiros cidadãos tomem posse da cidade, ocupem os espaços coletivamente, transformem as ruas não só em lugar de disputas de trânsito, mas em espaços de circulação e vida.

Henrique Pimont - Arquiteto e urbanista

Henrique Pimont - Arquiteto e urbanista

WWW.pimontarquitetura.com.br

pimont

 

(Artigo originalmente publicado em 03/03/2017)

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