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Prédio que desabou não tinha condições mínimas de segurança contra incêndio

Prédio que desabou não tinha condições mínimas de segurança contra incêndio

 

Documento do ano passado aponta ausência de extintores, mangueiras e luzes de emergência no edifício.

O prédio que desabou no Largo do Paissandu, no Centro de São Paulo, não tinha condições mínimas de segurança contra incêndio, segundo relatório da prefeitura obtido com exclusividade pela TV Globo. O documento foi finalizado pela Secretaria Municipal de Licenciamento em 26 de janeiro do ano passado.
O edifício Wilton Paes de Almeida, de 24 andares, pegou fogo e desabou na madrugada de terça-feira (1º). O local era uma ocupação irregular, e moradores afirmam que o fogo começou por volta da 1h30, no 5º andar, e se espalhou rapidamente pela estrutura.

Veja o que o documento indicou:
Ausência de extintores;
Sistema de hidrantes inoperante;
Ausência de mangueiras;
Ausência de luzes de emergências;
Ausência de sistema de alarme;
Instalações elétricas irregulares: fios sem isolamento adequado e expostos, além entrada de energia improvisada;
Elevadores inoperantes e fechados por tapumes;
Ausência de corrimão nas escadas;
Instalações do sistema de para-raios não puderam ser avaliadas, pois acesso estava bloqueado.

Após indicar esses nove pontos, o relatório conclui que "a edificação não reúne condições mínimas de segurança contra incêndio".

"Trata-se de uma edificação ocupada por movimento social, onde os equipamentos de prevenção e combate a incêndio, ou foram retirados ou estão inoperantes. As instalações elétricas não atendem às normas técnicas, tendo sido feitas uma série de improvisações", afirma o documento.

O relatório é assinado pelos engenheiros Ornelino José C. Lopes e Silvio Tadeu Vuoto. O Ministério Público recebeu o documento, mas decidiu arquivá-lo.

Os bombeiros buscam por quatro pessoas desaparecidas no desabamento. Ricardo, de cerca de 30 anos, desapareceu nos escombros quando o prédio desabou, segundos antes de ele ser resgatado pelos bombeiros (veja no vídeo abaixo).

O vendedor Antônio Ribeiro Francisco, de 42 anos, disse que busca informações sobre a ex-mulher, Selma Almeida da Silva, e os dois gêmeos filhos dela, que moravam no prédio.

Vistorias

Nesta terça-feira, a prefeitura afirmou que vai vistoriar 77 imóveis no Centro de São Paulo que estão ocupados por movimentos de moradia.

Segundo o secretário municipal de Segurança Urbana, José Roberto Rodrigues de Oliveira, o trabalho, que será feito pela Defesa Civil, pode começar nesta quinta (3).

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Buscas

O prédio era ocupado por 372 pessoas, de 146 famílias, segundo o Corpo de Bombeiros. De acordo com a prefeitura, 320 pessoas foram cadastradas como desabrigadas após o desabamento e 40 delas buscaram atendimento na assistência social.

Ao todo, 49 pessoas que estavam no cadastro da Prefeitura como moradoras do prédio ainda não foram localizadas após o desabamento. Mas não se sabe se elas estavam ou não no edifício na noite do acidente.

Segundo sobreviventes do incêndio, um dos desaparecidos, Ricardo chegou a sair do prédio depois que o fogo começou, mas voltou para ajudar pessoas que estavam nos andares mais altos.

Um dos bombeiro que tentava tirá-lo do prédio quando houve o desabamento disse que, se tivesse mais 30 ou 40 segundos, teria conseguido salvá-lo. "Ele dizia: ’Me tira daqui por favor’, e eu respondi: ’Calma, confia em mim’", lembra o sargento Diego.

O ex-marido de Selma diz que tinha conversado com ela por telefone por volta das 21h de terça-feira (1º). "Ela disse que estava cansada e queria dormir. Depois, não falei mais com ela", disse Francisco, que depois enviou mensagens ao celular dela e não obteve resposta.

Investigação

O boletim de ocorrência sobre o acidente registrado nesta quarta-feira (2) na Polícia Civil tem apenas o depoimento dos policiais militares que combateram o incêndio. Por enquanto, só há suspeitas do que pode ter causado o fogo.

"A primeira linha de investigação é que foi um acidente doméstico", disse o secretário da Segurança Pública, Mágino Alves. "O inquérito policial vai ouvir as pessoas que estavam no prédio. Já existem algumas informações."

Engenheiros peritos da Polícia Técnico-Científica começaram a trabalhar e foram até os escombros, mas a coleta de vestígios só começa depois que os bombeiros liberarem o local – o que só vai ser feito quando houver a certeza de que não há vítimas debaixo da montanha de entulho.

"Como é um incêndio de grandes proporções, nós estamos estudando sobre uma explosão, e pode ser até criminoso", disse o engenheiro Lorenço Trapé Neto, perito criminal da Polícia Técnico-Científica.

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Vizinho do prédio, Rogério Baleki disse que havia denunciado a situação do edifício há três anos. "Eu sabia que esse prédio ia cair", disse. "Ele estava pendendo, ele estava ruindo."

Baleki foi ao Ministério Público em agosto de 2015 para falar de suas preocupações. O MP instaurou um inquérito e determinou que os bombeiros fizessem uma vistoria no edifício.

Em março deste ano, em outro documento, o MP recomenda o arquivamento e informa que a Defesa Civil vistoriou o imóvel e não encontrou riscos estruturais. Diz, porém, que a instalação elétrica estava em desacordo com as normas aplicáveis, assim como o sistema de combate a incêndio.

A vistoria realizada pelos bombeiros encontrou problemas nas instalações elétricas e muito lixo espalhados pelos andares e no fosso dos elevadores – muito material inflamável.

Os dez primeiros andares do edifício estavam ocupados. Segundo os moradores, as famílias moravam em barracos de madeira. "Era uns dez barracos em cada andar. É tudo de madeira, tudo de madeira", disse Gabriel Arcangelo, morador que sobreviveu ao incêndio.

O presidente do Instituto Brasileiro do Concreto, engenheiro civil Júlio Timerman, analisou as imagens da queda do edifício e diz que pode ter ocorrido o rompimento de uma coluna.

"Ele teve um movimento horizontal que deve ter havido um pilar, uma coluna que rompeu naquele lado do prédio", afirmou. "Então, girou o prédio e, depois, ele caiu. O movimento de ruptura do prédio foi global. Todos os pavimentos desceram ao mesmo tempo."

Responsabilidades

Agora, a dúvida é quem deveria ter dado um destino ao prédio. O governo federal, que é o dono do imóvel, e a prefeitura da capital, que cadastrou os moradores num programa de moradia, tentavam chegar a um acordo sobre isso.

"A prefeitura fez o limite do que ela podia fazer: cadastrar as famílias", disse o prefeito Bruno Covas (PSDB). "Também não pode pedir a reintegração, porque o prédio não era da prefeitura, o prédio é da União. A gente já estava em tratativa com a União para poder receber esse prédio", disse.

O superintendente do patrimônio da União, Robson Tuma, disse que o governo federal "não vai fugir" das suas responsabilidades. "Mas, nesse momento tão triste, não é hora de discutirmos responsabilidades – mas assumirmos responsabilidades juntos: União, governo do estado e município, no sentido de resolver os problemas dessas famílias, que não só neste edifício."

 

Matéria originalmente publicada em O Condomínio