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As possibilidades da multipropriedade em condomínios

As possibilidades da multipropriedade em condomínios

Novo modelo permite que um apartamento tenha vários donos, sendo que cada um será proprietário de uma fração de tempo ao longo do ano

Você já imaginou compartilhar a propriedade de um imóvel com outras pessoas? Sucesso no exterior, a multipropriedade ou Time Sharing está ganhando espaço no Brasil e promete mudar o conceito atual de condomínio. Em um esquema de cotas, a mesma unidade poderá ter até 52 matrículas, em que cada um dos donos será titular de uma fração de tempo, que poderá ser alugada a terceiros ou desfrutada pelo tempo mínimo de sete dias.

Regulamentado apenas no final do ano passado pela Lei n. 13.777, que alterou dispositivos no Código Civil e na Lei dos Registros Públicos, o novo regime de condomínio é um dos grandes desafios do mercado imobiliário, já que constitui uma visão inovadora na aquisição de propriedade. E foi levando em conta esse cenário que a legislação veio justamente para trazer mais segurança jurídica e ajudar na definição de aspectos práticos como o pagamento de tributos.

Com a normativa ficou estabelecido, por exemplo, que além da matrícula geral do imóvel, cada fração de tempo terá a sua própria matrícula averbada no cartório. Ou seja, o município poderá lotear cada fração de tempo, para fins de recolhimento de IPTU, conforme prevê a legislação municipal. Além disso, outros pontos contemplados pela lei dizem respeito à gestão desses imóveis, possibilidade de penhora das unidades, transferência da multipropriedade, indivisibilidade e pertenças.

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Maya Garcia Câmera, advogada e consultora em multipropriedade e timeshare. Foto: Fernando Barbara

De acordo com Maya Garcia Câmera, advogada e consultora em multipropriedade e timeshare no Brasil e nos Estados Unidos, a novidade pode ser implementada tanto em empreendimentos novos quanto nos antigos. Para os condomínios constituídos antes da lei a mudança ou inclusão do sistema em determinados apartamentos deverá ser aprovada em assembleia, por deliberação da maioria absoluta dos condôminos. Ela destaca ainda que a convenção de um empreendimento em multipropriedade deve ser muito específica e diferenciada em relação ao documento padrão de um condomínio edilício comum.

“A convenção deve atender não só os requisitos legais como também uma série de outras previsões que exigem conhecimento prático do negócio. As normas internas de prédios novos, que já forem lançados sob a modalidade de multipropriedade, devem prever o regime. Já os prédios antigos podem alterar a convenção atual respeitando o quórum nela previsto, se assim desejarem, ou regulamentar o compartilhamento de propriedade nas unidades que foram adotar o regime da multipropriedade através de regulamentos internos, próprios e específicos”, comenta a especialista. A convenção pode definir, por exemplo, o tempo mínimo de uso por proprietário e, até mesmo, o número máximo de pessoas que podem ocupar simultaneamente o imóvel no período correspondente a cada fração de tempo.

Administração diferenciada

Na Lei da multipropriedade, o art. 1.358-R exige que a administração seja conduzida por um síndico profissional, não abrindo a possibilidade de a função ser exercida por um morador, uma vez que a multipropriedade exige sistemáticas de organização e gestão que vão além de um mero condomínio tradicional. “Nesses casos os próprios empreendimentos se comportam de maneira mista, razão pela qual o gestor deve saber conjugar interesses relativos ao direito de propriedade e outros que fogem da realidade dos condomínios não submetidos ao regime da multipropriedade, tal como rentabilidade nos pools, intercâmbio em cadeias especializadas, plataformas de locação on-line, entre outros”, explica Maya. Vale lembrar que a determinação é válida mesmo que o prédio tenha apenas uma unidade em multipropriedade.

Para a consultora, o relacionamento com os condôminos deve ter uma sintonia mais fina do que a média, já que as demandas serão infinitas devido ao fato do grupo de condôminos ser maior e com interesses e prioridades, muitas vezes, heterogêneos. “Ter conhecimento dessas vertentes e saber usar a seu favor a tecnologia, que já tem produtos voltados a esse mercado, são cruciais para o sucesso de uma boa gestão”, pontua. Além de uma nova forma de investimento que amplia o uso dos imóveis, no compartilhamento de imóveis há também a geração de novas oportunidades de atuação para o síndico.

Enquanto o gestor mais tradicional cuida apenas de questões relativas ao bom funcionamento das áreas comuns do edifício, como a bomba para aspiração da piscina e elevador, o administrador em regime de multipropriedade será o representante legal de todos os condôminos. E, além disso, poderá ter entre suas atribuições a manutenção e conservação de toda a parte interna das unidades. Como por exemplo, o pleno funcionamento do aparelho de ar-condicionado, da geladeira e dos demais equipamentos do apartamento.

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Dennis Martins, advogado especialista em direito imobiliário

“No modelo de divisão entre 26 a 52 multiproprietários, que é a mais comum, o administrador é o mandatário para cuidar dos atos de gestão ordinária, inclusive, e, principalmente, dentro das unidades, tanto para fins de limpeza, manutenção, quanto para conservação e substituição de equipamentos eletrônicos, eletrodomésticos e mobiliário. O administrador é como se fosse os olhos dos multiproprietários no que se refere à unidade que a todos pertence”, define Maya.
Para ajudar a dar conta de tudo isso, o advogado Dennis Martins, especialista em direito imobiliário, defende que o primeiro passo é inteirar-se acerca do instituto, compreender as suas peculiaridades e as necessidades dos multiproprietários. “Os interessados em entrar nesse nicho de trabalho deverão estudar o assunto a fundo para estarem aptos a atender a demanda que exigirá uma administração muito mais especializada. Além disso, acho enriquecedor os profissionais buscarem informações sobre situações bem e mal sucedidas no ramo. Esse tipo de conhecimento traz uma contribuição gigantesca na resolução de problemas cotidianos futuros”, avalia.
Bons exemplos

Essa nova possibilidade de negócio vai ao encontro da necessidade de pessoas que querem investir num imóvel como segunda residência, mas que não usarão o espaço por mais de um período de tempo ao longo do ano. Em São Paulo, o Citizen Paulista é o primeiro empreendimento 100% dentro da regulamentação de multipropriedades do Brasil, que será entregue ainda em 2019. De acordo com Gustavo Marucio, diretor de incorporação do edifício, o projeto foi pensado especialmente para estadias de curto prazo e moradores que passam a maior parte do dia na rua, mas que buscam um empreendimento bem localizado, com um custo de condomínio baixo.

“O interesse pelos benefícios da economia compartilhada vem crescendo, sendo que uma a cada dez pessoas que conhecem o projeto compram. Inicialmente disponibilizamos 20 unidades para esse novo modelo, sendo as restantes comercializadas no formato tradicional. Mas, de qualquer maneira, os compradores que tiverem interesse poderão migrar para o regime a qualquer momento e subdividirem suas unidades”, explica Marucio.

Em Santa Catarina, um bom exemplo vem do litoral sul, com o lançamento do Surfland Brasil Garopaba, um complexo que mistura características de resort com condomínio, em uma área total de 464 mil metros quadrados e um investimento que deve chegar à casa dos R$ 250 milhões.

Segundo o diretor comercial Jeferson Gralha, a infraestrutura irá oferecer sete prédios habitacionais horizontais e 17 de operações, entre restaurantes, academia e espaço de convivência. No total, serão 278 unidades fracionadas para venda no modelo de compartilhamento, sendo que o prazo mínimo de uso por dono será de 14 dias, o que possibilita a venda do mesmo apartamento para até 26 proprietários.

“O Estado é atualmente o principal mercado para o desenvolvimento da multipropriedade. Prova disso é o sucesso do condomínio, que já está com mais de mil contratos gerados em apenas 30 dias. Acreditamos que projetos preocupados com a sustentabilidade e que incentivem o compartilhamento serão capazes de promover o desenvolvimento de cidades com potencial turístico”, conclui Jeferson.

Entenda como alguns pontos vão funcionar

Votação em assembleia: as regras do processo de votação devem ser definidas em convenção, onde estarão definidas questões como o peso de voto de cada unidade. Ou seja, tem condomínios em que a norma estabelece que o imóvel de maior metragem tenha maior poder de escolha. Além disso, no regime de multipropriedade há dois processos de votação independentes, mas complementares: primeiro o assunto é debatido entre os proprietários da mesma unidade, para a definição de um consenso. E só depois essa decisão é levada para a votação em assembleia geral do condomínio

Assembleia virtual: a realização de assembleias não presenciais é crucial na multipropriedade, pois os proprietários não estão no imóvel de forma contínua como em um condomínio residencial padrão. É uma maneira de potencializar o envolvimento e a participação dos multiproprietários nas decisões. Atualmente, já existem softwares que permitem a votação remota, acessível por login e senha exclusiva dos condôminos

Regime misto: é possível ter em um mesmo empreendimento unidades em regime de propriedade comum e outras em multipropriedade. A única exigência é que o empreendedor deverá prever tal situação no instrumento de instituição do condomínio. Ou seja, há a necessidade que a convivência esteja adequadamente regrada na convenção, podendo ser parcial ou em sua totalidade no regime de multipropriedade

Inadimplência: se o multiproprietário não cumpre com a sua obrigação de custeio das despesas condominiais ordinárias ou extraordinárias, e houver um sistema centralizado de locações, o dono devedor pode ser proibido de utilizar o imóvel durante seu período. O mesmo ficará disponível para locação para abater ou quitar o débito, com ou sem crédito suplementar para o multiproprietário.

Fontes: Dennis Martins e Maya Garcia